Depois de um ataque fulminante hackeariano de Vírus aqui estou
eu a escrever no final da campanha, num qualquer centro da rede
de ciberpontos que o governo colocou à disposição dos candidatos
a professores para o ano de 2005-2006. E finalmente vamos ver-nos
livres como a gaivota que voava, voava e voava desta malignalidade
que era a coligação de centro-direita,apologista do mau governo e das
palhaçadas que habituaram os portugueses nestes últimos tempos.
Por isso faltam menos de 48 horas para o seu máximo julgamento, o
que é o fundamental da Democracia, o sufrágio universal
a terrível arma do Povo.
Elysian
Nem felicidade,nem infelicidade.Nem a ausência de temor
e talvez já o passo/não-passo para-além.Sei,imagino que
este sentimento inanalisável mudou o que lhe restava de
existência.Como se a morte fora dele não pudesse doravante
senão embater contra a morte nele.«Estou vivo.Não,estás morto.»
Mais tarde,quando voltou a Paris,encontrou Malraux.Este
contou-lhe que tinha sido feito prisioneiro (sem ter sido
reconhecido),que tinha logrado evadir-se,perdendo embora um
manuscrito.«Não eram senão reflexões sobre a arte,fáceis de
reconstituir,enquanto um manuscrito não o seria.» Com Paulhan
ordenou buscas que não podiam ser senão vãs.
Que importa.Apenas permanece o sentimento de leveza que é a
morte ou,para o dizer mais precisamente,o instante da minha
morte doravante sempre iminente.
MAURICE BLANCHOT (1907-2003)
D A L I
O INSTANTE DA MINHA MORTE
II
Mas eis que um deles se aproximou e disse com voz firme:
«Nós,não alemães,russos»,e,numa espécie de riso:«exército
Vlassov», e fez-lhe sinal para desaparecer.
Creio que ele se afastou sempre com o mesmo sentimento de
leveza,até que se encontrou num bosque afastado,chamado
«Bois des bruyéres»,onde permaneceu abrigado pelas árvores
que conhecia bem.Aqui sentiu o sentido do real[...]
Quando o tenente voltou e se apercebeu do desaparecimento
do jovem castelão,por que razão a cólera,a raiva,não o terão
levado a queimar o Castelo (imóvel e majestoso)?
Porque era o Castelo.
No entanto vasculharam tudo.Levaram algum dinheiro;numa
divisão separada, «o quarto alto»,o tenente encontrou papéis
e uma espécie de manuscrito espesso - que continha talvez
planos de guerra.Finalmente partiu.Tudo ardia, excepto o
Castelo.Os Senhores tinham sido poupados.
Começou sem dúvida então o tormento da injustiça para o jovem.
Fim do êxtase;o sentimento de que só estava vivo porque,
mesmo aos olhos dos Russos,pertencia a uma classe nobre.
Era isto a guerra:a vida para uns,para outros,a crueldade do
assassinato.
Permanecia todavia,como no momento em que o fuzilamento estava
iminente,o sentimento de leveza que não conseguirei traduzir:
liberto da vida? o infinito que se abre?
Maurice Blanchot
continua
O INSTANTE DA MINHA MORTE
I
Recordo-me de um jovem - de um homem ainda jovem
impedido de morrer pela própria morte - e talvez por
erro da injustiça.
Os aliados tinham conseguido instalar-se em solo francês
já vencidos, os Alemães lutavam em vão com uma ferocidade
inútil.
Numa casa enorme (o Castelo,assim a chamavam), bateram
timidamente à porta. Sei que o jovem a foi abrir aos
hóspedes que muito provavelmente pediam socorro.
Desta feita, gritaram:«todos para a rua».Um tenente nazi,
num francês vergonhosamente normal,mandou sair primeiro
as pessoas mais velhas, e a seguir duas jovens.
«Rua,rua.»Berrava ele agora.O jovem nem sequer tentava
fugir,antes avançava lentamente,de um modo quase sacerdotal.
O tenente abanou-o,mostrou-lhe cartuchos,balas,tinha mani-
festamente havido combate,o solo era um solo marcial.
O tenente tartamudeou numa linguagem estranha e,colocado
diante do nariz do homem já menos jovem (envelhece-se de-
pressa) os cartuchos,as balas,uma granada,gritou com
clareza:«Eis o que vos espera».
O nazi alinhou os seus homens para,de acordo com as regras
atingirem o alvo humano. O jovem disse:«Mande,ao menos,
entrar a minha família».Ou seja:a tia(de 94 anos),a mãe mais
nova,a irmã e a cunhada,um longo e lento cortejo,silencioso
como se tudo estivesse já consumado.
Sei - sabê-lo-ei - que aquele que os alemães já tinham na
mira,não esperando senão a ordem final,experimentou então
um sentimento de extraordinária leveza,uma espécie de
beatitude (nada,porém,que se parecesse com felicidade) -
alegria soberana? O encontro da morte e da morte?
No seu lugar,não tentarei analisar este sentimento de
leveza. De repente,ele era talvez invencível.Morto -imortal.
Talvez o êxtase.Ou antes o sentimento de compaixão pela
humanidade sofredora,a felicidade de não ser imortal nem
eterno.Doravante,ficou ligado à morte por uma amizade sub -
reptícia.
Nesse instante,brusco retorno ao mundo,deflagrou o barulho
considerável de uma batalha próxima.Os camaradas do resistente
queriam socorrer aquele que sabiam em perigo.O tenente afas-
tou-se para se aperceber do que se passava. Os alemães conti-
nuavam alinhados,prontos a permanecer assim numa imobilidade
que suspendia o tempo.
Maurice Blanchot
Tradução - Doutora Fernanda Bernardo